Borda d’Água, o guia do mundo rural que todos gostam de folhear

2 de Janeiro 2024

Tem 95 anos e é uma das mais antigas publicações nacionais. O almanaque Borda d’Água continua a ser impresso em papel e, apesar de especialmente dedicado aos agricultores, é um sucesso editorial com “repertório útil a toda a gente”.

Durante o mês de janeiro, os dias aumentam 42 minutos, em Lisboa, e 46 minutos, no Porto. É o tempo da preparação das culturas de inverno, como a batata. As luas minguantes dos primeiros meses do ano são fundamentais para a poda das figueiras, macieiras e laranjeiras, bem como para iniciar a enxertia. Em fevereiro, as cenouras devem ser colhidas, mas também é a melhor altura para plantar árvores. Nas regiões com menos geada, março afigura-se como o mês ideal para semear cereais: o trigo, a aveia, o centeio e a cevada. Já em abril resinar os pinheiros é tarefa inadiável para quem se dedica à floresta. O mês seguinte é de alerta: “Quando maio chegar, quem não arou tem que arar”. Há também que lavrar à volta das matas e limpá-las o melhor possível para evitar incêndios. Estes são alguns dos ensinamentos e conselhos que podemos encontrar no almanaque Borda d’Água para o início de 2024.

Tendo como farol a lua – já que as suas fases são determinantes para o trabalho de quem se dedica à agricultura – esta publicação anual é uma espécie de bússola no mundo rural. Mas também tem muitos leitores urbanos, que não a dispensam para tratarem das suas pequenas hortas em varandas e quintais. Ou mesmo por tantos que, não tendo qualquer horta, gostam de comprar religiosamente o Borda d’Água. Afinal, como está explícito na “assinatura” da publicação, trata-se de “Repertório útil a toda a gente”.

Com quase um século de vida, o Borda d’Água continua a ser uma referência. Procurado por fiéis seguidores há décadas, mas também por jovens agricultores e até por quem apenas compra para manter a tradição, este é um fenómeno de resistência entre as publicações em papel.

 Sabedoria popular e conhecimento científico

Ao longo das suas 24 páginas, o almanaque inclui conselhos práticos – baseados na sabedoria popular, na ciência e na astronomia –, previsões meteorológicas, épocas ideais de sementeiras e outros trabalhos agrícolas, fases da lua, informação sobre o mar e as marés, calendário de festas, romarias e outras efemérides.

Os conteúdos de cada edição começam a ser preparados em janeiro ou fevereiro do ano anterior. Esse trabalho faz-se em boa parte a partir da recolha de dicas de leitores de todo o país, seja relativas à agricultura, seja de provérbios ou “lições” guardadas pelos mais antigos. Os dados sobre a meteorologia e as fases da lua, por seu lado, têm uma sólida base científica: são recolhidos junto do Observatório Astronómico de Lisboa.

 O senhor da meteorologia e uma ferradura para dar sorte

Criado em 1929 por Manuel Rodrigues – fundador da Editorial Minerva – o Borda d’Água mantém-se fiel não só ao tipo de conteúdos, mas também à sua linha gráfica. Desde a primeira edição que na primeira página aparece o “senhor da meteorologia”, uma figura masculina vestida de fraque, com uma cartola na cabeça, um jornal e um guarda-chuva debaixo do braço. Crê-se que a ilustração representa o meteorologista da época em que a publicação surgiu – alguém que, nas margens dos rios, pendurava umas “folhinhas” com a previsão do tempo e outras informações para os navegadores. Já a ferradura vermelha, com o “M” de Minerva – a editora que ainda detém a publicação – é um símbolo de boa sorte para todo o ano.

O Valor do Papel

Sem edição digital nem qualquer tipo de conteúdos online, o Borda d’Água continua a ser impresso em papel numa tipografia tradicional, em Lisboa. A impressão é feita em grandes folhas, que são depois dobradas nas mesmas máquinas dos anos 30. Antes de o ler, é preciso usar um corta-papel de forma a separar as páginas, pois estas vêm ainda unidas.

O almanaque é avesso à edição digital, pois é sinónimo de tradição e quer continuar a chegar a leitores de vários estratos sociais, de norte a sul do país, muitos deles sem acesso à internet. É comercializado por vendedores de rua nas aldeias, mas também em quiosques de vilas e cidades e até mesmo nas livrarias das grandes superfícies. Com uma tiragem de 100 mil exemplares e um custo de três euros por unidade, garante leitura útil para todo o ano.